segunda-feira, 13 de março de 2017

Voz interior



Qual é a voz que me prende no corpo que sou?
Na voz que me prende, obedeço ao que o médico fala.
Sem carboidratos, doutor. 
Muitas frutas, claro.
Legumes à vontade. Exercícios diariamente.
Na voz que me prende, eu caso cedo.
Tenho um emprego público.
Na voz que me prende,  vou conseguir atingir todos os meus objetivos.
Autoestima lá no alto.
Desistir jamais.
“No pain, no gain”
A voz que me prende diz pro cabelo crescer.
“Volta”, ela diz. “Volta rápido que fica mais bonito assim!”
Mas uma outra voz sussurra “Volta quando quiser” 
Mas quem é a voz que me prende comparada à voz que me define?
Essa mesma voz sabe que, às vezes, rola uma fritura.
Um chocolatinho?
E que o médico, apesar de tudo, tem razão.
Essa voz pondera, é realista.
Essa voz sussurra, mas é poderosa.
É a voz que foge, que vai pra longe, que faz tatuagem,
Que grita, no topo da montanha, quem é o amor da vida dela.
Essa voz dá no primeiro encontro.
E no segundo também.
Essa voz usa duas estampas diferentes porque sabe que a moda é a gente quem cria.
E nem olha pra quem encara na rua.
Essa voz deixa eu ser jornalista e editora freelancer.
E o melhor: sem me julgar.
Essa voz deixa eu me declarar em público, deixa eu ser brega de vez em quando
Por que o que será da vida se tudo for certo, afinal de contas?
Essa voz, que parece frágil, encara a outra de frente.
É feliz quem sabe dar voz a uma ou a outra na hora certa.
No auge de toda a minha sanidade, dou um pulo da cadeira
E salto rumo à felicidade:
-       Feijoada, alguém?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Obrigada, Teresa



Os ares verdes e encantadoramente frescos embalam a subida da serra à Cidade de Teresa. Por vezes, vemos um beco ou outro para um sítio, uma cachoeira, uma casa abandonada - ou não - quem sabe? Minha vontade súbita é entrar para explorar, sair da rota para sanar minha curiosidade tamanha, minha sede por águas inexploradas.

Casas e pequenas vilas me fazem pensar que parei no tempo. E que tempo gostoso.
Posso ficar?

Os pedaços de mim se envolvem nos momentos que passo lá. Me sinto uma formiga olhando cada estrela, cada nuvem, cada folha de grama singularmente. Cada vez que apareço, me renovo. Cada vez que volto, sou uma nova eu. Sensível a cada gesto, a cada piscada.

O sol é quente e queima minha pele por inteiro. Minha semi-nudez não me importa. Cercada pelo mato, faço parte dele. Sinto seu cheiro, sua vibração. As nuvens tapam o sol, que reaparece mais claro cada vez que se esconde. Chove à tarde, sempre. Chuva revigorante como o choro pesado, que alivia a dor para o sol voltar a sorrir. O céu também vive - eu penso.

Observo as gotas caindo da janela do quarto, presas aos cantos, algumas somente riscadas, outras densas. As que caem no telhado, gotejam como se estivessem prestes a acabar, porém, num ritmo acelerado. O cheiro de terra molhada invade o meu ser, e respiro fundo o sentimento de pertencimento. Os poucos raios de sol fazem contato com os meus olhos, em meio às nuvens carregadas.

Lá, a cidade vive. Mas não só no centro, não só de comércio. Nos bairros mais afastados, as pessoas vivem com mais vontade. Eu vejo o amor nos olhos. Eu sinto o amor palpitar como se ainda fosse a primeira vez. O aconchego me acalma.

Ah, minha cidade querida, 
Eu quero morar em você, como você mora em mim. 
Não é Cabo Frio, Mauá, nem Guapimirim.
Eu quero você, 
Minha doce Terê.

domingo, 4 de dezembro de 2016

conexão metrô



O metrô parece um mundo paralelo.
Tinha uma menina no metrô hoje de cabelinho curto, me lembrou a Natalie Portman.
Ela abriu um pote com um sanduíche e começou a comer despreocupada.
Dava mordidas pequenas, mas fazia bico pra mastigar. E mastigava forte.
De repente, bateu o desespero e ela começou a se apalpar. 
"Celular", pensei. Claro.
Procurou na bolsa, não achou.
Apalpou os dois bolsos de trás da calça. Não achou.
E o bico mastigante lá. E ela tentando disfarçar.
Por um minuto, me identifiquei com ela.
Incrível como a nossa vida, hoje, depende de um eletrônico.
Ela botou o sanduíche no pote, fechou e guardou. Se levantou e olhou no assento.
Nada.
Comecei a ficar desconfortável com a situação.
Minha vontade era levantar e dizer "Peraí que vou te ajudar, Naty" e procurar embaixo do banco.
Voltei pra realidade.
Duas cadeiras depois de Naty, uma outra moça estava sentada muito compenetrada ouvindo seu fone de ouvido.
Ela dedilhava a bolsa com raiva. O olhar perdido.
A boca balbuciava algumas palavras cantadas.
Pegou o celular para olhar a hora e grudado atrás estava o RioCard. Achei curioso e quis perguntar como ela fez aquilo.
Realmente era uma puta ideia.
Pensa: ela entra no metrô escutando música, com o celular na mão e é só encostar o celular na máquina pra liberar a catraca.
Gênia.
Fiquei pensando que devo ser muito carente pra querer sempre interagir.
NEXT STOP, JARDIM OCEÂNICO. THIS IS THE FINAL STATION
Agora a Natalie Portman tupiniquim já tinha achado o telefone.
E acabado o sanduíche.
Aí uma coisa me pegou de surpresa:
Seu casaco estava com etiqueta.
Quase tive uma síncope.
Pensei que, se eu tinha uma missão na Terra, era estabelecer uma comunicação com a Naty e avisar sobre a etiqueta.
Fiz contato visual tentando não parecer uma maluca.
Meu tempo estava acabando.
Me mexi no banco, numa última tentativa dela olhar.
Natalie simplesmente se olhou no reflexo da janela do metrô e mexeu no cabelo.
O trem estava quase parando.
Ela se levantou e caminhou na direção oposta a que eu estava.
Falhei.
Tentei me consolar pensando que talvez outro anjo na Terra avisaria. Ou ela mesma perceberia.
É um inferno ser eu.

Perfume de mãe



Agora há pouco aconteceu uma coisa engraçada.
Estava conversando com a minha mãe sobre perfumes e comentei que estava muito afim de comprar um perfume que senti a fragrância outro dia e com a cara-de-pau que Deus me deu, quis saber qual era, ao que a moça respondeu "Ah, é o 'Angel'. Aquele da estrela, sabe?"
Não sabia, mas tinha gostado daquele cheirinho.
Sou muito apegada a cheiros.
Se eu te conheço e você usa um determinado perfume, eu vou lembrar de você sempre que senti-lo. Mesmo em outras pessoas. Mesmo em outro país. Mesmo depois de 100 anos.
Sabe como é, a gente não vive esse tempo todo. Graças a Deus.
Mas meu sentido pra cheiros é tipo memória de elefante.
Ah, você entendeu.
Então, cometei com a minha mãe que estava muito afim de comprar esse tal de Angel, ao que ela respondeu:
- Eu tenho. Já tive, usei, mas enjoei. Ganhei um outro, mas não dei, acho que está por aqui.
E levantou-se da cama, abriu a porta do armário e achou o dito cujo.
- Eu acho ele muito doce e enjoativo - disse ela, me dando - mas vê se você gosta. Tem que passar só uma gotinha porque é muito forte.
Obedecendo conselho de mãe, passei só uma gotinha no pulso e esfreguei no outro, agora já pensando em outro perfume.
- Também tenho um outro que gosto muito, mas acabou. É o GAP Blue.
Ao que ela, surpreendentemente, respondeu:
- Eu tenho.
Rimos bastante.
- Porra, mãe, como assim? Tá de sacanagem, né?
E ela achou o GAP Blue dela, e era idêntico ao meu que tinha acabado.
Depois disso, ela achou diversos outros perfumes que estavam guardados e nem sabia. Refizemos nosso jogo de cheiros sem gastar um centavo.
Moral da história: Sua mãe pode estar escondendo o jogo por não saber algo que você quer.
Moral da história 2: O Angel, além de caro, é ruim. Não recomendo. Ainda bem que não comprei. Tem coisas que ficam melhor nos outros, definitivamente.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Encontre alguém que te leve para viajar



Viajar sempre foi uma das minhas maiores paixões, desde que me entendo por gente. Viajei para lugares dentro do país para visitar amigos e parentes, e muitas vezes sozinha. Viajar sozinha é muito bom, dá uma sensação de independência que só quem viaja sozinho, sabe. Eu, no auge dos meus 16 anos, peguei um avião para ir visitar minha tia e meus primos, no Sul do Brasil. Foi top ótimo.

Mas, ainda assim, viajar acompanhado tem uma magia a mais. Alguém que te leve para viajar não é uma pessoa que paga pra você ir, é uma pessoa que embarca junto com você - no avião/navio/carro e na aventura. Dá sempre um friozinho na barriga do que pode sair da experiência, da expectativa criada em cima do "nós vamos". Só quem viaja junto, sabe.

Se o gostoso de viajar é poder planejar, com alguém do lado é ainda melhor. Seja para a Europa ou para Búzios, o bom é estar junto. Para curtir uma viagem a dois não é preciso ir a grandes restaurantes, visitar museus históricos ou fazer passeios mirabolantes. Pode-se apenas deitar numa grama verde da região serrana à noite e curtir o céu estrelado. Pode-se apenas tomar um bom vinho e assistir um bom filme. Pode-se apenas deitar junto na cama e passar a madrugada inteira conversando. Pode-se apenas dividir um brownie.

Viajar junto é mais do que desbravar um lugar novo - ou antigo - acompanhado. É desbravar o outro. É passar, colado, o dia e aí, descobrir como a magia acontece: do que o outro gosta, o que ele experimentaria para comer em um lugar diferente, se ele faria mímica para se comunicar em outro idioma. Se nós fazemos isso quando viajamos a sós, descobrir o que está "escondido" no outro enquanto viaja é muito mais divertido. Porque viajar é sim, sair da rotina.

Viajar junto é experimentar o diferente junto e descobrir como o outro reage. É aproveitar o parceiro da forma mais pura e ousada possível, afinal, o que é proibido quando se está viajando? Viajar junto experimentar coisas novas, só que com o toque delicado de uma observação que, talvez, você não perceberia se estivesse sozinho.

Não vou dizer que viajar junto é melhor do que viajar sozinho.
Mas, na minha opinião, é.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Im-partido

O caminho que eu sempre fazia pra casa dos meus avós, agora tinha outro ar. Cada passo, uma lembrança diferente. Meu avô me levando pra casa, de mãos dadas. Sua mão era quente e lisa como o lar. O dia em que saiu comigo, na chuva, para comprar um óculos escuros. Que besteira. Quem, no auge de seus 15 anos, quer um óculos escuros? Mas ele foi, e comprou. Lembrei da vez que me deu uma folha de seu livro para ler. Era praticamente um conto erótico. Eu ri, e falei que estava muito bom - e estava mesmo. Enquanto lembrava, caminhando, sentia uma mistura de tristeza e muita saudade. Uma saudade que dói, não que afaga. Olhei para o céu e ele parecia rir pra mim, como se dissesse que o casal de velhinhos que me criou estava nos braços de Deus, juntos e muito felizes. Devem estar mesmo, a festa lá está melhor que aqui. Cheguei no prédio e, ao lado do elevador tem um quadro com datas, nomes, telefones, escritos pelo síndico. O síndico quando ainda era o Sr. Estevão, meu avô. Sua letra era impecável, eu podia jurar que o telefone lá escrito tinha sido redigido e pregado lá hoje mesmo. O elevador tinha o seu cheiro. Meu coração batia forte, na esperança de quando abrirem a porta, quem sabe? O coração cismava em relembrar memórias de anos atrás, quando a mente tentava avisar que já não é mais. Não é mais o tempo, o cheiro, a voz, o abraço. Agora, meu bem, só daqui a muitos anos. Meu casal do coração se foi, meu modelo de amor, respeito, carinho e paixão. Tento me agarrar ao que ainda é, ao que ainda resta de coisas boas que eles deixaram. Em mim, eles plantaram a fé, o amor pelos livros, pela escrita, pela pintura, pela fotografia. Esse legado, meu bem, ninguém tira. E o amor, que vaga pelo ar e resiste ao tempo. Aqui, hoje, essa casa tão grande e tão alegre, parece maior ainda, porém triste. Não parece nada com a casa que passei a infância, mas ainda possui rastros de quem viveu aqui. A mesa de centro, as fotos, as pinturas na parede. Meu coração vai na boca, na esperança de entrar no quarto e dar de cara... Quem sabe? Tomara que seja mentira. Vão com Deus, eu amo vocês. 

terça-feira, 22 de março de 2016

Sobre unhas, dons e sogras



Faço unha com a Hellena há, no mínimo, dois anos. Hellena é do interior do Ceará, tem 29 anos, marido e dois filhos e é moradora do morro do Pavão, em Copacabana. Começou fazendo a unha do meu pai (sim, meu pai é um homem que faz a unha com muito orgulho) e depois eu fui ser cliente dela porque, segundo ele, ela era maravilhosa. Desde então, sempre conversamos e rimos contando histórias, mas hoje ela resolveu me contar a dela.

Quando chegou no Rio de Janeiro, Hellena fazia faxina numa casa no Pavão mesmo. Não saía do morro pra nada, segundo ela. Quando casou-se - seu marido também é do interior do Ceará, mas foi só conhecê-lo em solos cariocas - veio de presente a sogra. E que sogra:

- Hellena, a cliente tá vindo aqui fazer a unha. Você vai fazer junto comigo.
- Eu não! Não sei nem pegar em um alicate!
- Vai sim, eu te ensino.

E, assim, Hellena, grávida do primeiro filho, Jefferson, passou a ser manicure junto com sua sogra. Cada cliente demorava três horas para ir embora, mas o serviço era feito. Passado um tempo aprendendo, quando chegava no fim do ano, era fila na porta para ter as unhas pintadas. E aí era assim: Hellena trabalhava de manicure. A sogra, de costureira.

Quando Jefferson teve idade para ir à creche, a sogra de Hellena a matriculou em um curso de manicure, promovido pela Prefeitura. Em 3 meses, ela estava com o diploma em mãos e pronta para seguir carreira. E assim vão 8 anos trabalhando em seu primeiro emprego.

Por que estou contando essa história em meio a um mundo de esmaltes de todas as cores e intensidades?

Porque Hellena tem uma irmã, Jessica. E Jessica fez um curso de manicure pago pela mãe. Um curso caro. Mas não exerce a profissão. E Hellena me disse com todas as letras:

- Jessica não trabalha porque não tem o dom. Não adianta, tem que ter o dom, tem que gostar disso.

- E você gosta? - perguntei.
- Eu amo. Deus me deu esse dom, e agradeço sempre por Ele ter botado a minha sogra no meu caminho. Se não fosse ela, hoje eu não seria nada.

No auge de seus 29 anos, uma manicure com agenda lotada - uma das poucas em meio à crise - me ensinou duas lições importantes:

1 - Tem que ter o dom e gostar do que se quer fazer. Não adianta querer cursar engenharia se não gosta de matemática, se não gosta do universo dos cálculos. Não adianta ser impaciente e querer ser manicure. É um trabalho de muito cuidado e atenção.

2 - Nem toda sogra é bruxa. Algumas te dão até o caminho das pedras.